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TL; DR

As novas tecnologias facilitaram de tal modo a criação e distribuição de novos bens, serviços e mais tecnologias, que o custo marginal de criar novos produtos é negligenciável. O acesso e custo da tecnologia é tão baixo que a inovação deixou de ser um extra apetecível para ser uma obrigação. Os princípios do capitalismo estão assim a dar lugar ao novo sistema de bens colaborativos.

Motivada pelos avanços na computação, a revista Time anteviu em 1983 o aparecimento de uma «Nova economia» propulsionada pela tecnologia. No ano seguinte Steve Jobs largou ao mundo o Macintosh. Na década seguinte veio o Windows 95 e a navegação online, o Google e a publicidade online, o eBay e o retalho online, o Paypal e os pagamentos online. E hoje, o comércio electrónico representa um terço do PIB português, a crescer para mais de metade até 2020.

A «Nova economia» foi a transição de um paradigma baseado em produtos para um baseado em serviços, originando enormes repercussões na produtividade e crescimento de grande parte dos sectores, sobretudo os que mais facilmente adoptaram as novas tecnologias. Mas o que a Time não anteviu foi o fim de um sistema económico com dois séculos de existência: o capitalismo. O acesso às tecnologias, e sobretudo a inclusão na internet de serviços transversais à sociedade, levou à descentralização do acesso a recursos, isto é, a produção, comunicação, venda, e distribuição de produtos e serviços não só ficou ao alcance de todos como acelerou a competitividade destes serviços de tal forma que as suas margens foram esmagadas tornando a comercialização de novas ideias uma brincadeira sem custos.

A produção de música, gravação com qualidade, marketing, distribuição de CD’s, e venda em lojas, é um processo moroso e custoso, absolutamente centralizado nas editoras discográficas. É apenas um entre numerosos exemplos de industrias que estão a cair aos pés do collaborative commons, o novo paradigma económico baseado na imensa disponibilização de recursos gratuitos ou baratos para cobrir todos os passos necessários à criação e comercialização. A prova é que em 2014 o streaming ultrapassou a venda de CDs. Hoje, criar música num PC, anunciar nas redes sociais, e vender no iTunes ou Spotify, têm custos desprezáveis, o que torna a criação de música acessível a todos: Mia Rose, ou The Weeknd são exemplo disso quando começaram recentemente no Youtube. Arrisco dizer que ser um músico internacional da actualidade apenas depende da qualidade da música e interesse da audiência.

Receitas do streaming nos EUA ultrapassaram vendas de CD's em 2014

Optimização e produtividade point-and-click

Na verdade, vender o que quer que seja hoje em dia apenas depende do produto/serviço. Não há desculpas.

    ► Mais: Criar nova marca de óculos com design original.

  1. Os poucos custos necessários para o bootstrapping são obtidos em crowfunding por vez do recurso a empréstimos. Serve também de validação do negócio no mercado.
  2. O design e produção são feitos em casa com uma impressora 3D, ou através de um serviço de impressão 3D.
  3. A venda é feita recorrendo ao Shopify (25€/mês) ou semelhantes.
  4. A aquisição é feita nas redes sociais, AdWords, e talvez afiliados.
  5. O processo todo pode tardar menos de uma semana. Se tirarmos o primeiro passo pode tardar 1 dia a montar a totalidade de uma loja online.

O acesso a infraestruturas e tecnologias é tão abundante (e será ainda mais com a IoT) que se assiste actualmente à democratização da criação de produtos/serviços e rentabilização de bens através da tecnologia, levando ao extremo a optimização dos recursos, e consequentemente minimizando os custos marginais. Tem um quarto livre? Alugue-o no Airbnb. Gosta de andar de carro? Dê umas boleias com o Über. Espaço livre no telhado? Venda electricidade à rede. Quer frequentar um curso? Cursos abertos online em massa. Precisa testar uma ideia ainda hoje? Coloque 10€ em anúncios no Facebook para atingir milhares.

Tudo é colaborativo, distribuído, ou incrivelmente acessível, potencializando as economias de escala e a automatização para trazer os custos para baixo. Este efeito é incrivelmente visível em alguns sectores, por exemplo, o do armazenamento de dados, onde o preço por byte tem vindo a descer para quase-zero, ou o editorial, onde a criação e distribuição de informação e conteúdos é tão ubíqua que o preço do seu acesso está a tornar-se irrelevante (há um editor atrás de cada teclado).

Custo por gigabyte desde 1980. De notar a escala logarítmica.

Uma consequência inevitável deste sistema é a aniquilação sistemática de postos de trabalho mecanizados a favor de tecnologias equivalentes: já estamos familiarizados com as caixas automáticas nos supermercados, portagens, bombas de gasolina e parques de estacionamento. Restauração também começa a ter semelhantes sistemas (ecrãs do McDonalds; tablets de menu em cada mesa; encomendar online); Bancos igualmente (eBanking; Bitcoints para controlo distribuído da banca); Retalho (online já representa 7% das vendas na europa); Industria automóvel (de longe a mais robotizada). À medida que a automatização avança, os empregos mecanizados vão perdendo terreno para os intelectuais. E mesmo esses já sucumbem à inteligência artificial, como são exemplo os corretores de bolsa.

Custo marginal zero, e o fim de uma era

“Num mercado tradicional os vendedores estão constantemente à procura de novas tecnologias para aumentar a sua produtividade, reduzir custos marginais de forma a dispor produtos mais baratos para ganhar os consumidores e esmagar a concorrência.”

The Zero Marginal Cost Society

O que não era esperado é uma redução dos custos marginais quase até à nulidade, tornando os produtos e serviços praticamente gratuitos e disponíveis em abundancia. Como resultado, a produção com o intuito de lucrar está a dar lugar à produção utilitária e ao acesso a recursos, isto é, como não existe escassez os bens deixaram de ser valorizados com base nessa dimensão e a sua procura passou a ser determinada pela utilidade prática real para os clientes e consumidores, assim como a facilidade de acesso e aquisição. É uma prática diametralmente oposta ao capitalismo, já que este assenta na venda sujeita às leis de mercado / procura pela maximização do valor de mercado em vez do valor utilitário. A separação entre as entidades do Capitalista e Proletário também se torna difusa com a democratização do acesso à criação e venda, em oposição (num sistema capitalista) ao acesso exclusivo e privado do Capitalista aos meios de produção e incentivo à minimização da produção caseira.

Até aos anos 90 havia escassez no acesso a bens e serviços. Fast-foward para 2016 e se amanhã o Samsung Galaxy S6 deixasse de existir o que aconteceria? Pouco ou nada, existem milhares de produtos semelhantes que se esmagam em concorrência diariamente: há abundância na aquisição! E não é o factor concorrência que surge como novidade - esse é natural às economias há décadas - é o factor rapidez de replicação, distribuição e comunicação de novos produtos. A facilidade de criação e replicação atingiu uma magnitude tão massiva que há empresas inteiras dedicadas a replicar modelos de negócio) de sucesso, como é o caso da alemã Rocket-Internet que criou, por exemplo, a Zalando como uma réplica do modelo da americana Zappos; e até economias inteiras, como é o caso da Chinesa.

    ► Mais: O que é o custo marginal?

O custo marginal é o custo de produzir mais uma unidade do produto/serviço vendido, excluindo os custos fixos (materiais, etc). Á medida que a minha hipotética fábrica de telemóveis produz mais e mais unidades, talvez precise de construir um novo armazém, e esse custo pertence ao custo marginal da produção de cada nova unidade.

É aqui que os negócios encontram os seus lucros, ao optimizar, automatizar, melhorar a eficiência e a produtividade destes factores. É aqui que os negócios encontram a sua vantagem competitiva.

Produzir e atingir o público mundial é agora trivial para qualquer pessoa numa economia desenvolvida. Enquanto a eficiência e produtividade crescem monotonicamente e os custos marginais decrescem com a mesma cadência, o mercado de competição baseado em lucros vai deixando de ser relevante. Esse mercado é uma pedra basilar do capitalismo.

Numa economia onde qualquer invenção pode ser fácil e rapidamente reproduzida, a inovação desempenha um papel crucial no panorama competitivo. A fórmula de sucesso alia inovação, utilidade e acessibilidade, com um mindset orientado à tendência de democratização dos produtos e serviços.


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Paulo Gaspar


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Paulo Gaspar

Tecnologia, Futurismo, Economia, e outros discursos pedantes

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